domingo, 17 de agosto de 2008

puzzle polis II - texto do Adolfo, fotos do Wilton Montenegro



Ver para pensar, ou ao contrário?

Nesta cartografia noturna de Livia Flores, Puzzle–Pólis II, além do campo das sensações que emanam da visualidade, de imagens em movimento (como refletem também seus trabalhos com filmes), há uma tríade composta por imagem-movimento-luz que aciona um espaço em várias instâncias, ora através de elementos que simbolizam o próprio espaço – uma espécie de prédios-torres com coberturas dissimiles–, ora com a participação de nosso passeio. Aliás, o próprio lugar da obra já é outra fronteira, um território afetivo que também analisa a dominação do espaço e seu litígio (algo políticamente simbólico). Não em vão, “a produção do espaço como mercadoria” (Dolores Hayden) funciona tanto no contexto urbano quanto no contexto cultural.
Construção de construções, cidade visível/invisível, cidade naufragada em seu próprio habitat? Ou uma cidade ficcional, apropriada da exclusão? Ou do sonho? Na geografia da obra, as várias dezenas de abruptas peças de Clóvis (artista morador da Fazenda Modelo, um abrigo para moradores de rua, no Grande Rio), são instaladas aqui para criar um espaço alucinatório, pós-cinético (onde as coisas sempre giram, movem-se, até pelo próprio calor da iluminação). Como uma forma de refletir e vivenciar nosso locus urbano, como um espaço de recepção e de projeção de imagens –de “um ver para pensar”, segundo as palavras da artista. Se o trabalho anterior Puzzle-Pólis (2002) já refletia certa pulsão urbanística, arquitetural, agora se enfatiza mais esse imaginário descendente da fragmentação e do naufrágio contemporâneo, o que produz um espelhamento entre Clóvis e Lívia.
A atração pela latência das imagens, pela luz e seu negativo (a penumbra), estabelece uma rede compositiva que alia materialidade e sonho, vigília e rigor. Em Puzzle–Polis II somos convidados a passear o olhar, volatilizando nossa posição hegemônica. Parte das estratégias da artista é não oferecer apoio nem leituras recalcadas. Daí também as diversas ambivalências em jogo que fazem parte do cerne desta obra: a ordem de sua apresentação é mais importante do que a ordem da sua representação. Não esqueçamos que se trata de gerar uma visualidade em miragem –um leit motiv contínuo da artista–, uma temporalidade suspensa numa espacialidade quase indefinida. Mas há sempre alvos: trazer à luz algo que está fora de foco (estético, social), realizar operações de transvaloração (troca de artista por artista, inversão da natureza da obra, cruzamentos de imaginários ou relações com o precário ou o lixo), criar nessa fronteira frágil a possibilidade de encontrar outras miragens. A instalação de Lívia Flores decanta seu ímã e cria uma alucinação própria, cuja trama espacial e meditativa coloca o pensar e o ver numa mesma freqüência interrogativa.

Adolfo Montejo Navas / Rio de Janeiro, abril de 2004

piso puzzle polis



inevitável lembrar de puzzle polis ao ler piso puzzle (estou muito curiosa). Aliás, puzzle polis já era um assunto latente, lembrado nas conversas com Adolfo - uma travessia carioca radical, a cidade atravessada de um extremo ao outro, travessia entre não-pares, ímpar - Clóvis e eu. Para não ficar muito extenso vou postar nos comentários o texto escrito para o trabalho da Bienal, puzzle polis II.