terça-feira, 8 de julho de 2008

Visita a camarada F.



Já q estamos falando de trocas segue aí um texto q escrevi em 2001 para uma coluna de um portal na internet chamado super11. É um mini-texto meio crônica sobre Fernanda Gomes.

Visita a camarada F.
Sábado a noite. Um pulo na casa de Fernanda Gomes para conversar e conhecer trabalhos recentes. E também para enfrentar copos e garrafas. Nada de música. Boca-fumo-pulmão, narina-napa. Fernanda mora em Copacabana e não tem tempo nem paciência para a bosta que anda por aí. A casa e o atelier se confundem. Há um quarto que seria o atelier mas na verdade os trabalhos vão ocupando a casa toda.

No corredor o fio dental usado por Fernanda e Fernando é agora um trabalho na parede. O trabalho não tem título, nenhum trabalho de Fernanda Gomes tem ou terá título. No meio da sala está faltando um taco, Fernanda encheu com sementes de cravo. Quando se fala em cravo se pensa em canela. No nosso caso aqui acho que a canela é mais embaixo. Aquele pedaço da perna que serve para localizar os móveis na escuridão. No quarto pequenas caixas, fios, linhas, a bancada, um pequeno travesseiro repousa em um velho livro aberto, bola feita de cabelos, o papel dos cigarros, agulhas, um saco pendurado no teto, copo.

Como Paulo Venâncio escreveu em A história do pó: Até onde é possível fragmentar? E depois de tudo fragmentado como voltar à totalidade? Da insignificância se pode retornar ao mundo significante? Fernanda Gomes submete seus objetos a um teste dessa ordem. Recolhe aquilo cujo destino é a insignificância. Coisas mínimas, irrisórias, quase imperceptíveis, raramente observadas são colocadas no lugar daquilo que merece uma atenção. Retiradas da insignificância e deslocadas para uma única função; serem vistas. Pois o olhar parece ser a única forma de tocá-las, o único possível contato antes que desapareçam…

Depois de 3 ou 4 horas no sofá resolvemos fazer nova arrumação na sala. Em apenas 4 minutos tudo está mudado. Nova paisagem. Cada trabalho está impregnado de raiva, força e graça. Cada trabalho está impregnado de vida. Fernanda Gomes é assim: Tá com sede? Toma um copo de poeira.

Saí do prédio confuso, perdido. Peguei a contra-mão. Colisão. O carro capotou. As quatro rodas pra cima. Parou um caminhão, saltaram cinco caras. Desviramos o carro e segui em frente. Um pouco amassado.

Raul Mourão

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