segunda-feira, 1 de setembro de 2008

atravessamento 7

Oi Adolfo,
seguem abaixo mais comentários sobre o trabalho e a foto do Falam as partes do todo? que eu gostaria que também entrasse no catálogo. Também gostaria que aparecessem nos créditos os nomes de todo o pessoal que colaborou com o trabalho,

bjs,
t.

Como comentei anteriormente a idéia inicial para Bandagens era baseada nas Peles (tapetes), de 2004-05 - fragmentos de corpos e nos desenhos/colagens do Barrão. Olhando os estudos com band-aids eu notei que essas fotos implicavam num corte, que é interessante, mas que além da idéia de colagem e fragmentação é importante no trabalho do Barrão esse novo todo que ele reconstrói, e que é mais claro nas esculturas por serem 3d - mais 3d, menos fininhas que os papéis.
Nesta foto do Espaço em branco entre 4 paredes que estava no convite para a individual de 2002, no mobiliário de rua daqui do Rio e foi capa do jornal da ARCO de 2003, aparece a solução do fragmento - através de uma imagem falar de um trabalho que envolve experiências sobre propriocepção e cegueira, e que também aparece nas fotos do braço duplicado num Corte e naquela aqui em cima feita numa das Peles.


Nesta relação com os trabalhos do Barrão escolhi tomar uma distância, afastar a câmera, ampliar o campo, buscar um fundo infinito para valorizar essa nova reconfiguração dos fragmentos.



Daí eu volto à minha experiência com a Dani Lima, até o nome do espetáculo - Falam as partes do todo? remete a esse processo. Me lembro nas conversas com a Silvia Soter que acompanhou os ensaios, da idéia de que no final do espetáculo questões do meu trabalho passaram para o corpo dos bailarinos, os objetos se encontravam empilhados num canto, mas o estrelaçamento, os espaços entre, continuavam ali, com a Vivian Miller caminhando sem pisar no chão, sobre os corpos, por entre os espaços entre os corpos dos demais bailarinos. E o espetáculo terminava com a reação, cada dia diferente, do público e de um espectador que recebia a bailarina no seu colo.  Vou postar nos comentários os textos da Dani e do Camillo sobre o espetáculo.

Quando falei com a Dani sobre o projeto para as travessias e ela convidou vários bailarinos. Demoramos a achar gente interessada em participar do projeto, ficou meio em cima da hora e para minha supresa aqueles que aceitaram, além da Mônica Burity, que foi da Cia Dani Lima, Allyson Mendes, Calixto Neto, Jeane Lima, Luana Bezerra e Volmir Cordeiro são da Companhia de Danças Lia Rodrigues. Mais uma vez os atravessamentos, desta vez da Dani com Lia. Nisso eu também volto às minhas referências mais próximas - o Tunga que fragmenta os corpos e que também trabalhou com a Lia, à escultura, a fragmentação, construção e o participante - e vem toda a história da arte na cabeça ao mexer com esses corpos como imagens. 
Também não tem como se descolar das referências que os outros carregam nos seus olhares.

A imagem foi reproduzida próxima à uma escala 1:1, isso volta ao meu trabalho, ao da Dani e a relação com o visitante da exposição. Mas quando aparece em reproduções, numa escala menor, se aproxima ainda mais dos trabalhos do Barrão - na situação virtual então - o dado visual predomina.

Foi fotografada pelo Vicente de Mello com a assistência do Rafael Adorjan.

Um comentário:

tatiana grinberg disse...

Falam as partes do todo?
Luiz Camillo Osório

O todo não é nunca a soma das partes, é mais que isso. As partes podem ser tudo. A palavra e o corpo são
sempre parte e são sempre o todo. Um torso de Apolo é uma parte ou é um todo? Como se passa do movimento para a dança? Onde
termina o corpo e começa o espaço?
A escultura e a dança inventam o corpo. A escultura e a dança inventam o espaço. Deslocar. Pesar. Atravessar. Separar. Juntar. Distanciar.
Aproximar. Tocar. Andar. O espaço não está lá fora, diante de nós, ele não nasce como figura geométrica. Ele se desenha cotidianamente
a partir do movimento do nosso corpo e da vivência de nossos gestos.
Mais do que uma relação entre dança e escultura, o que vemos neste espetáculo é um deslocamento de linguagens, uma metamorfose do
corpo em escultura e da escultura em fragmentos orgânicos. Não há uma coreografia e uma cenografia, há corpos, formas e espaços que
se reinventam a cada movimento de quem dança e de quem vê e circula. As esculturas da Tatiana existem através da dança, assim como
o desenho coreográfico da Dani se fragmenta e se desdobra através dos cortes e dos buracos das peças escultóricas.
Falam as partes do todo? Temos palavras para expressar o corpo? Podemos ver sem palavras? “Há coisas de sobra que não se dizem / há
coisas que sobram no que se diz / nossa miséria é uma alegria de palavras?” Um olhar, um gesto, um sim, podem significar tudo e nada
– a situação e o momento produzem a diferença.

Marcos Siscar – Metade da arte, 7 letras/Cosac&Naify, 20

Do the parts speak of the whole?
Luiz Camillo Osório

The whole is never the sum of the parts, it is more than this. The parts can be all. The word and the body are always the parts and are
always the whole. Is a torso of Apolo a part or is it the whole? How do you go from movement to dance? Where does the body end and
where does the space begin?
The sculpture and the dance invent the body. The sculpture and the dance invent the space. Displacing. Weighing. Crossing. Separating.
Joining. Going far apart. Coming close. Touching. Walking. The space is not outside, in front of us, it is not born as a geometric figure. It
draws itself daily, beginning with the movement of our body and the experience of our gestures.
More than just a relationship between dance and sculpture, what we see in this performance is a displacing of languages, a metamorphosis
of body into sculpture, of sculpture into dancing fragments. There are not a choreography and a scenography, there are bodies, shapes
and spaces that reinvent themselves at each movement of the one who dances and of the one who watches and goes around. Tatiana’s
sculptures exist through the dance, just like Dani’s choreographic design fragments itself and unfolds itself through the cuts and holes of
the sculptured works.
Do the parts speak of the whole? Do we have words to express the body? Can we see without words? “There are plenty of things that are
not said / there are plenty of things that exceed what we say / is our misery a joy of words?” A look, a gesture. a yes, can mean everything
or nothing at all – the situation and the moment make the difference.

Falam as partes do todo ?
Dani Lima

Esta pergunta me veio à cabeça quando um professor me falou sobre duas formas possíveis de ver a vida - pela perspectiva da floresta
ou pela perspectiva da árvore. Acho que durante boa parte da minha vida eu enxerguei pela perspectiva da floresta , perseguia a idéia de
unidade, de leis com garantia universal. De uns tempos prá cá o mundo foi acabando com as florestas e acho que fui perdendo minhas
garantias. Não sem desconforto, quase todos os dias me confronto com o desejo de saber o que é certo ou errado para guiar meus atos.
Viver sem certezas é viver na insegurança, em movimento constante de reaprendizagem.
Um dia me chegou às mãos uma reportagem do dia 23 de novembro de 2001, onde o presidente Bush fazia um ultimato à população
mundial: “ ou estão do nosso lado ou do lado dos terroristas”. Me pareceu ainda mais urgente refletir sobre esta forma fundamentalista
de ver o mundo como uma realidade bidimensional. Esta forma de ver que estabelece uma perspectiva parcial como a melhor, senão a
única; que pretende encerrar o significado das coisas; que vê as versões como fatos, as partes como todo. Esta forma de ver que nos
tenta com suas certezas, generalizações, explicações definitivas e fórmulas infalíveis.
Quando conhecí o trabalho da Tatiana Grinberg, achei que ele falava ao corpo/do corpo de forma aberta, ambígua e caminhava no sentido
destas mesmas inquietações. Desta parceria e do encontro com os bailarinos nasceu este projeto, fruto de indagações sobre corpo e
espaço como realidades que se constroem em relação.


Do the parts speak of the whole?
Dani Lima

This question came to my mind when a teacher told me about two possible ways of perceiving life – through the perspective of the forest
or through the perspective of the tree. I think that for longtime I saw life through the perspective of the forest, I have pursued the idea
of unity, of universal laws. Lately the world has been destroying the forests and I think I have started to lose my guarantees. It is not a
very comfortable way of living, almost every day I face the desire of knowing what is right or wrong in order to guide my actions. Living
without assurance is living in uncertainty, in a constant movement of learning again and again.
One day, annewspaper article of November 23rd, 2001 got to my hands, where president Bush made an ultimatum to the world population:
“you are either for us or for the terrorists”. It seemed to me very urgent to think over this fundamentalist way of perceiving the
world as a bidimensional reality. This point of view that establishes a partial perspective as the best, if not the only one; that intends to
enclose the meaning of things; that sees versions as facts, the parts as the whole. This way of viewing that tempts us with its certainty,
generalisations, definite explanations and flawless formulas.
When I got to know Tatiana Grinberg’s work, I thought she talked to and about the body in an open and ambiguous way, and she tackled
the same issues I did. This project was born from this partnership and the gathering of the dancers, as a response to questions about body
and space as realities that are built in relation one to each other.